quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Submundo HQ N°6 : Don Rosa: O "Homem-Pato" da Disney (Uma Crônica da "Comic-Con")....

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O "Submundo" Apresenta: Mais uma matéria especial feita por um colaborador do blog: Cesar Leal.... Ele esteve na última "Comic-Con Experience", e relata aqui (em forma de crônica) o encontro com o grande mestre das HQs Disney: Don Rosa!!!

O relato impressiona.... Pois é muito realista (em todos os detalhes) e nos faz refletir sobre a admiração (mútua) entre fãs e artista, e também (lamentavelmente) sobre a falta de educação (geral) de boa parte dos leitores brasileiros - visível e presente em todas as redes sociais ligadas à quadrinhos e que (vergonhosamente) se repete também ao vivo: O que pode ser constatado no texto abaixo!!!

Confira então a crônica de Cesar Leal (que aparece na última foto ao lado de Don Rosa):

O dia em que conheci um Homem Pato.... Quando crianças achamos normal que o mundo seja enorme e nós... pequenos. Distâncias se tornam relativas e muitas vezes ao comparar as coisas mais tarde, a nossa versão “maior” percebe o quanto aquela caminhada longa era insignificante. Mas, algumas vezes, nos deparamos com algo que realmente sentimos ser de uma dimensão maior do que “sonha nossa vã filosofia”. Lembro de uma das primeiras vezes em que isso ocorreu comigo, tinha 5 anos e meu pai me levou para assistir um filme no cinema. Eu já era “íntimo” das salas de exibição devido as sessões dos longa metragens de Walt Disney nas matinês das segundas feiras e na época não existiam telas de grande porte ou qualquer desses subterfúgios de hoje que tentam nos dar essa sensação de grandiosidade, em verdade, fora o filme que me deixara “pequeno”. "Guerra nas Estrelas" me prendeu desde a sua cena inicial, não sabia ler ainda e não pude acompanhar a legenda, mas, na verdade, o que havia para não entender? Tinha os bons e os malvados bem definidos e uma série de cenas como nunca tinha visto igual. Já “colecionava” quadrinhos na época, uma coleção baseada na capa que me chamasse a atenção no momento da compra, e que duravam até um sumiço dado pelos adultos em sua “faxina” no meu quarto, mas, desde então, fui direcionado as histórias de aventura em detrimento das que se baseavam somente em uma “comédia de erros”. Preferia as histórias do Tio Patinhas em que ele levava seus sobrinhos em uma caçada a algum tesouro secreto do que as das peripécias de qualquer personagem relacionada a algum mal entendido que levava a uma situação inesperada. Na época não sabia disso, sequer sabia que existiam várias pessoas diferentes que criavam as histórias, mas era fã dos quadrinhos de Carl Barks. Acabei crescendo e minha coleção me levou para longe da Disney, ao mundo dos super heróis e dos quadrinhos mais “adultos”. Só que depois de anos teve alguém que me levou de volta aos quadrinhos dos patos... Don Rosa. O trabalho desse autor em levar a outro patamar as histórias dos antropomórficos personagens se baseando no trabalho realizado pelo mesmo Barks que eu curtia em minha juventude (sem saber meus contos preferidos tinham um autor específico) me fez de novo sentir prazer ao ler sobre a caçada a um misterioso tesouro perdido no tempo ou sobre uma exploração aos Andes para conseguir uma galinha que pusesse ovos quadrados!!!

A “Saga do Tio Patinhas”, onde vemos sobre toda a vida do quaquilionário, de sua primeira moedinha até sua fortuna sendo estabelecida, foi um trabalho que consolida a mitologia do personagem. Em 2014, após uma série de certezas e desistências acabei por ir a Comic Con Experience em São Paulo, na bagagem, além da antecipação de ver um dos meus escritores de FC preferidos (que deu continuação as aventuras do mesmo Star Wars depois dos filmes) e do criador do visual definitivo dos personagens clássicos da DC Comics, estava outro autor que queria muito conseguir um autografo... Don Rosa. A presença do sessentão e questionador autor que me fez voltar a ler um estilo de HQ que tinha deixado de lado há tantos anos acabou por ser a “cereja do bolo” de minha viagem a convenção, mas de início não pareceu ser assim. Logo quando cheguei no evento, enquanto dava uma volta nos estandes e conseguia um autografo de Timothy Zhan, descobri, em um local diferente de onde estavam os outros autores, o senhor Rosa autografando e fazendo desenhos para uma fila de fãs. Mas ao me aproximar recebi a informação de que a “fila estava fechada”. O autor atendia a uma quantidade limitada de pessoas por vez e quando a fila chegava a um tamanho que ele achava satisfatório mandava encerrar e fazia uma caricatura do “último da fila” com o nome deste para seu controle. Bem, me restava tentar à tarde então... Ocorre que eram onze horas e ele somente retornaria “por volta de três e meia da tarde”, o que parecia um longo tempo acabou por se tornar pouco, tantas atrações e filas de autografo que tinha diante de mim. Quando voltei a procurar pelo autor já eram quinze para as quatro e tinha uma fila de umas 17 pessoas na minha frente, por sorte garanti meu lugar e depois de mais três chegarem a fila foi “fechada”, mas restavam apenas menos de vinte na minha frente e eu estava na fila, tudo certo não? Na verdade não...

Muitas vezes reclamamos o quanto as pessoas famosas tem pouca ou nenhuma paciência com fãs. Mas, ironicamente, a reclamação da fila com relação a Don Rosa era exatamente o contrário, ele era simpático demais... Conversando longamente com todos, cada uma das pessoas que falavam com ele, pediam autografo, poderiam comprar um poster (o famoso print) com um desenho para ser assinado e ganhavam uma arte feita na hora do personagem que quisessem mesmo que não comprassem nada... Assim uma fila de 17 pessoas na minha frente se transformou em uma espera de três horas. Entenda­-se que em nenhum momento eu estou reclamando do fato de Don Rosa ser acessível ou simpático, mas a natureza humana é de se aproveitar dessas coisas... E o festival de exigências que estavam a minha frente acabaram por ser um teste para minha paciência. Como ele fazia um desenho para cada um dos presentes a ideia era fazer o rosto do personagem escolhido com a expressão que o fã quisesse (fiquei durante as três horas em dúvida entre um Pato Donald nervoso ou um Tio Patinhas com cifrões nos olhos), mas os insistentes queriam tudo que pudesse ser feito para complicar algo que seria simples em sua natureza. Expressões mal explicadas, chapéus que parecessem estar “pulando” da cabeça do personagem, o que mudava inclusive o tamanho do desenho que ele fazia no papel, até mesmo posições diferentes ou baseadas em desenhos de outros artistas estavam entre os pedidos dos ávidos fãs. Poxa, ele sequer estava cobrando pelo mimo de fazer um desenho, seria tão difícil se manter dentro dos parâmetros que do ele estava fazendo? 

A falta de atenção das pessoas que sequer sabiam quem era o quadrinista também foi motivo de stress, gente que pisava nos posters a venda no chão (o que irritava o mestre) ou que simplesmente tentavam tirar da situação um entendimento que parecia não ser alcançável por eles. Por exemplo, uma pessoa viu a fila e perguntou para mim do que se tratava, respondi que era fila para autógrafo do Don Rosa. Diante de sua cara de espanto eu expliquei que era um desenhista que fazia quadrinhos com personagens Disney, como a interlocutora ainda não parecia ter entendido tive que praticamente explicar o que era um autógrafo e acabei me perguntando o que uma pessoa que não entende um conceito de um artista assinando uma revista com seu trabalho estaria fazendo em uma Comic Con? E os autógrafos então? Devido a suas posições e questionamentos ele tem um problema legal com uma editora nacional que colocou a venda uma série em que seu nome constava na capa: "Mestres Disney - Don Rosa". E o autor questionou judicialmente que se o nome constava da capa ele deveria ganhar os royalties do uso de seu nome para vender tal revista, como estão acostumados a receber os artistas europeus, questionou ainda a expressão de ser um “mestre Disney” já que seus trabalhos nunca foram contratados pelo conglomerado Disney, mas por uma editora de quadrinhos e que baseou seus textos em outro autor de quadrinhos e não no trabalho da empresa Disney. Assim, é de entender que o autor não goste muito de assinar uma edição com o título “Mestres Disney Don Rosa”. Eu, antecipando isso, levei uma edição da "Saga do Tio Patinhas". E não é que a revista que publicamente se sabe que ele não seria simpático era exatamente a edição mais pedida para ele autografar? Em um teste a boa vontade ele acabava por assinar cada uma delas muitas vezes riscando o nome Disney como que atestando que ele seria um autor de quadrinhos e não um autor “disney”. Mas o cúmulo foi um fã que pediu que ele assinasse outra revista da coleção: "Mestres Disney - Romano Scarpa". O que gerou uma conversa extremamente singular intermediada pelo tradutor: – Poderia ter seu autografo?– Mas... esse autor não sou eu. – Mas gostaria de seu autografo. – Mas esse não sou eu. – Mesmo assim eu quero. – MAS ESSE NÃO SOU EU. – Não importa. – Bem, se você quer mesmo... Aí ele fez um X em toda contra­capa que dizia "Romano Scarpa", e escreveu “It ́s wasn ́t Me” (Não sou Eu) e abaixo deu seu autografo. Quase morro de rir, mas olhando pelo lado bom, esse é um autógrafo que, provavelmente, ninguém vai ter igual. A essa altura o humor do velho mestre já estava bem desgastado, infelizmente ele já não estava tão animado com o contato com os fãs (e não posso dizer que estava errado) quando aparece então a pérola da situação. Os coordenadores da fila, vendo que ele estava atendendo com velocidade (depois de 3 horas eu imagino o tempo que levaria se estivesse lento) colocaram mais 7 pessoas após o último, e antes de me atender o quadrinista percebe e questiona para seu tradutor: – Quem é o último da fila?– Era esse de verde (o cara três pessoas depois de mim).– Pois é, é o que pensei, e quem são as pessoas atrás dele?– Gente que está na fila.– Como gente que está na fila? Ser o último da fila significa que não há mais ninguém após ele, se não fosse assim ele não seria o último da fila... (para mim uma lógica inquestionável).– Mas são pessoas que estão na fila.– Você compreende o que significa “último da fila”? Isso aconteceu ontem também, se não há controle eu não posso confiar que vocês controlem a fila. Quando eu determino que uma pessoa seja o último da fila é para não vir ninguém mais depois dele, oras...

Como poderia eu ficar chateado com o bom Don Rosa? Fiquei receoso dele simplesmente se levantar naquele momento e não atender mais, o que jogaria minhas 3 horas de espera fora. Ele estava sendo de uma paciência incrível com pessoas que pareciam não entender o que é tratar alguém que é autor de um trabalho literário, quadrinístico ou artístico. O egoísmo de alguns que estavam na minha frente e que estavam depois do “último” realmente me deixaram com aquele gosto de “vergonha alheia”. Felizmente fui atendido pelo mestre, peguei um autógrafo para mim e uma assinatura em um poster que comprei para meu filho, mas senti em meu íntimo que o tempo com aquele que era um ídolo foi prejudicado pela incessante tentativa das pessoas em não entenderem os limites dos outros. Não pude deixar de ficar triste, mas aproveitei ao máximo meus minutos de conversa e acabei optando pelo desenho com o Tio Patinhas e cifrões nos olhos. Saí de lá sem saber quem foi realmente o “último da fila”... Mas a cereja do bolo ainda estava por vir, para minha sorte. No painel em que o artista apresentou no dia seguinte, entre algumas interrupções engraçadas (a tradutora falou em Karl Marx no lugar de Carl Barks), ele explanou porque não se considerava um “Mestre Disney”. O Donald criado pelo lendário Walt era apenas um pato coadjuvante vestido de marinheiro para ser usado no desenho em que a estrela era a “Galinha Sábia”, depois usado também como um personagem secundário para o Mickey. O pouco da personalidade definida pelos desenhos não veio do Disney, mas de terceiros que desenvolveram os desenhos animados solo do irritado pato e de dubladores que liam o que viesse escrito em seus scripts. Quando uma empresa conseguiu licença para lançar HQs, a editora Gladstone chamou profissionais para elaborarem as histórias (inclusive Carl Barks) e diante da falta de detalhes foi se criando a personalidade, ambiente e coadjuvantes para desenvolverem o personagem. Por isso, o Donald da Disney não é exatamente o Donald dos quadrinhos, ele foi desenvolvido por profissionais da 9º arte e não pelos estúdios dos desenhos animados. No entendimento dele, não há um reconhecimento pelo trabalho destes profissionais, mas apenas um rótulo de que tudo que se foi criado teria vindo unicamente da mente de Disney. Em suas palavras “Eu não tenho nada a ver com esse Pato Donald que dizem que está fazendo 80 anos. O meu Donald não tem 80 anos. Minha versão não é a da Disney e eu nunca trabalhei para a Disney."

Um pouco depois, emocionado ao dizer que reconhece o amor dos fãs nos 20 anos que trabalhou com os personagens da família pato, o velho mestre diz que ser um dos autores mais conhecidos do personagem que ele mais ama era um sonho de criança e engasgando de emoção recebe o carinho da plateia. Após mais algumas declarações ele é questionado pelos patos serem colocados em situações e problemas de gente. A resposta foi de que na verdade: "eles não são patos... são pessoas". Por mais antropomórficos que sejam, eles tem personalidades definidas, características... alma. Sim, realmente eles são pessoas. Até mais do que pessoas. São Homens-Patos, que fazem parte da vida e da infância de milhões pelo mundo. Eu notei mais uma vez ser pequeno diante de uma situação grandiosa, minhas experiências de criança eram parte de algo maior, algo que fazia fãs se ligarem a algum personagem, a algum conceito, que fez daquele garoto que lia quadrinhos nos anos 40 se tornar o mestre que estava na minha frente. Tendo se dedicado a inovar e a ampliar o trabalho do ídolo que criou a mitologia que seguiu, que me fez voltar a ter contato com algo que foi importante e que estava esquecido dentro de alguma gaveta de minha mente cínica de adulto. Nesse momento vi que Don Rosa, com sua paciência humana, com sua irritação justa mas comedida, com sua dedicação aquilo que amava e seu trabalho excepcional também era mais do que as pessoas que estavam sendo exigentes na fila no dia anterior, mais do que os que não sabiam os limites do razoável, ele também era um Homem Pato. E reconhecer isso me fez sentir, pelo menos por um momento, um pouquinho pato também!!!

Até+

PS: Meus agradecimentos ao Cesar Leal por esse divertido, realista, e inusitado relato sobre a "Comic-Con".... Mais uma colaboração ímpar aqui pro "Submundo" (Valeu mesmo)! E não percam a seguir aqui no blog: "Papo de Gibi", "Reviews", e o "Guia dos Vingadores" (de Nano Falcão)!!!
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Créditos;) Leo Radd http://submundo-hq.blogspot.com.br/2015/01/don-rosa-o-homem-pato-uma-cronica-da.html

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