O "Submundo" apresenta... Mais uma magnífica colaboração especial de Martin Fernando pro blog: Traduzindo um texto original de John Ostrander:
O escritor que reformulou o "Esquadrão Suicida" (na década de 80) explica o processo de criação e transformação da "Batgirl" em: "Oráculo" (após os trágicos eventos da "Piada Mortal" de Alan Moore)...
Confira abaixo:
Olá, amigos do “Submundo”... Uma questão que anda gerando discussão entre os leitores de quadrinhos (e em toda a indústria do entretenimento) é a mudança drástica de alguns personagens em resposta à reivindicação por maior representatividade nas histórias. Muitos exemplos recentes são totalmente descartáveis, e os leitores ficam aliviados quando tudo volta ao normal. Porém, anos atrás, quando o assunto não estava tão evidente, Barbara Gordon passou por um processo de reformulação radical: a transição de Batgirl para Oráculo (consequência dos eventos de A Piada Mortal). Mostrando que, mesmo paralítica, Barbara podia continuar agindo como uma heroína, a Oráculo se tornou um exemplo bem-sucedido de reformulação, que durou mais de 20 anos. Uma prova do sucesso da personagem, além da longa duração, foram as manifestações contrárias dos leitores quando a DC anunciou, em 2011, que Barbara voltaria a ser a Batgirl (em "Novos 52"). Jill Pantozzi, colunista de quadrinhos que também é cadeirante, foi uma das suas defensoras, resumindo bem a situação: “A Oráculo é mais forte do que a Batgirl jamais poderá ser”. O curioso é que a Oráculo não apareceu pela primeira vez em um título do Batman, mas na revista do Esquadrão Suicida, quando John Ostrander, um dos responsáveis pela reformulação de Barbara Gordon, era roteirista. Neste artigo, Ostrander explica como isso aconteceu: A Warner acaba de anunciar [em julho de 2015] que está produzindo um longa-metragem animado de "Batman: A Piada Mortal" [o filme foi lançado em 2016, com direção de Sam Liu], baseado no especial de 1988 da dupla Alan Moore e Brian Bolland.
É essencial para a narrativa a cena em que o Coringa atira à queima-roupa em Barbara Gordon com uma arma de grosso calibre, para então espancá-la com violência - Bárbara é vista mais tarde com marcas e hematomas por todo o rosto - rasgar suas roupas, possivelmente para violentá-la, e tirar fotos da vítima. Alguns consideram um clássico. Outros estão se perguntando como seria possível fazer uma animação fiel a essa história, e outros ainda se questionam por que fazer isso. O “porquê”, acredito, está bem óbvio - o original fez dinheiro, é evidente que continua se saindo bem no catálogo, e os todo-poderosos estão presumindo que também renderá como um longa-metragem de animação. Provavelmente não estão errados. Li vários comentários na internet a respeito da notícia, inclusive de mulheres da comunidade quadrinística, e todos mostram indignação tanto com a ideia da HQ como com o anúncio da animação. Na época em que Batman: A Piada Mortal foi lançado, eu estava coescrevendo a revista "Esquadrão Suicida" com minha falecida esposa, Kimberly Yale (para mais informações sobre esse período, veja John Ostrander, “A História por trás da História do Esquadrão Suicida” - Disponível neste: "LINK")!
Não me leve a mal; eu era e continuo sendo um grande admirador tanto de Alan Moore como de Brian Bolland. Individualmente ou em parceria, ambos fizeram trabalhos impressionantes. Moore é um dos gigantes da indústria dos quadrinhos. É, na minha opinião, um escritor melhor do que eu, e não digo isso a respeito de muitos colegas (meu ego e minha autocrítica vão bem, obrigado). Isso não significa que Moore não possa errar, e acho que ele errou em Batman: A Piada Mortal. Na polêmica cena, alguém toca a campainha no apartamento do comissário Gordon. Barbara, toda cheia de risinhos, vai atender. Devo mencionar que não há corrente de segurança na porta, nem olho mágico para verificar quem está no corredor [na verdade há, mas de fato não foi usado pela personagem]. Nem há sinal de um policial de guarda. Trata-se de Gotham City, lar dos psicopatas fantasiados, onde é necessário um vigilante vestido de morcego para conter os criminosos. James Gordon é o comissário de polícia, e não há medidas de segurança onde ele mora? Barbara abre a porta. Como Batgirl, ela encarou vários dos malucos mascarados que vivem em Gotham. É uma mulher adulta que, na sua própria continuidade, já foi congressista por pelo menos um mandato [entre Detective Comics #424 e #488 (1972-1980)]. E, mesmo assim, simplesmente escancara a porta como uma garotinha boba.
Lá está o Coringa, portando uma arma de grosso calibre. Ele atira, Barbara é atingida em algum ponto abaixo da cintura. Pelo ângulo, Kim e eu pensamos que foi na espinha, apesar de outros acharem que na verdade foi no útero. O Coringa, então, arranca as roupas da vítima, ataca com violência, tira fotos — enquanto o pai dela, fora de cena, é mantido imóvel por seus capangas —, e possivelmente a estupra. Para Kim e eu, era algo fortemente implícito, mas, para ser justo, nada é mostrado. Conheço mulheres que foram agredidas. Conheço mulheres que foram violentadas. É algo terrível, mas pode imaginar o que é ser baleado, ter a espinha fraturada, e depois ser abusado sexualmente? A dor, o horror — eu não consigo pensar muito nisso. Kim e eu discutimos sobre a questão. Ser atingida à queima-roupa, baleada na espinha, deveria ter matado Barbara. Se não, Kim achava que o ferimento causaria uma grave infecção e, de qualquer forma, Barbara não conseguiria sobreviver. Entretanto, na história, ela conseguiu. Isso é fato. Devo destacar que, na capa dessa história, temos um close do Coringa dizendo “sorria” com a câmera apontada para o leitor. No contexto, a única explicação que posso conceber é que o leitor, o observador, é Barbara enquanto ainda está caída no chão, depois de ser baleada, supostamente depois de ser violentada. Qual a sensação? O bat-escritório já tinha aberto mão da Batgirl naquela altura. Barbara não se encaixava mais nos seus planos. Kim e eu perguntamos se podíamos ficar com ela, e fomos informados de que sim. Então a reinventamos como Oráculo.
Para nós, era importante que aquele ato tivesse consequência. Não queríamos que Barbara se recuperasse por encanto. Dada a violência por que passou, consideramos que ficaria sem movimentos da cintura para baixo, numa cadeira de rodas. Entretanto, percebemos que poderia continuar sendo uma heroína. Constava na sua continuidade que Barbara era um gênio da computação. Quero dizer, de alto nível. Então lhe demos um monte de computadores e fizemos dela a grande especialista em informação do universo DC. Tudo começou na Esquadrão Suicida, quando passou a assessorar Amanda Waller, apesar de não revelarmos a verdadeira identidade da Oráculo no início. Deixamos pistas [a partir de Suicide Squad #23 (1989)] e, por fim, mostramos que era Barbara [Suicide Squad #38 (1990)]. Kim e eu sentimos que, se fizéssemos um bom trabalho, a Oráculo poderia se tornar parte importante do universo DC. Resolveria problemas de roteiro para outros escritores: como o protagonista ficou sabendo de certa informação essencial para a trama? Recorrendo à Oráculo. Ela acabou virando um membro valioso da Liga da Justiça [JLA #17 (1998)] e liderou as Aves de Rapina em seu próprio título [Birds of Prey (1999)]. A última história em que Kim e eu trabalhamos juntos antes de minha esposa falecer foi “Oracle: Year One” [publicada em The Batman Chronicles #5 (1996)], desenhada pelo magnífico Brian Stelfreeze. Nós mostramos como, naquele ano, Barbara fez a transição de uma heroína arrasada para a dinâmica Oráculo. Ela se tornou um poderoso e amado ícone para as pessoas com deficiência física. Ao fazer de si novamente uma heroína, a Oráculo permitiu que outros se recuperassem com ela. O leitor se recuperou com ela.
Por fim, a DC acabou trazendo Babs de volta ao papel de Batgirl [Batgirl #1 (2011), no evento Os Novos 52]. Sua espinha foi curada. Ofereceram o trabalho a Gail Simone, que aceitou; ela sabia que iriam restaurar Barbara, fosse ela a roteirista ou não. Simone podia manter, como de fato manteve, os eventos de A Piada Mortal e a identidade de Oráculo como parte do passado de Barbara; tudo não seria simplesmente esquecido. Deram a entender que outra pessoa se tornaria Oráculo, só que, no meu ponto de visto, isso não funciona. Não dá para colocar qualquer um nesse papel. Foi o fato de ter sido Batgirl, de ser filha de Jim Gordon, de ter uma história própria, de ter sofrido os eventos de A Piada Mortal — mesmo que terríveis — que contribuíram para ela ser quem é. Não acredito que ninguém além de Barbara possa ser Oráculo, se for para o personagem ter algum mínimo significado. Não sei como tudo isso se encaixa num longa-metragem de animação. Também não sei qual será a reação dos pais. Tem o Batman, tem o Coringa, é um desenho animado, ótimo para a garotada, não é? Só que certamente estará longe de ser um Frozen. Se mudarem o que acontece com Barbara, também não sei se continuará a ser A Piada Mortal. Se não for, por que perder tempo? Ah, tá. É que vai fazer dinheiro. (John Ostrander - “John Ostrander: Savaging Barbara Gordon”, ComicMix, 2 ago. 2015. Tradução de Martin F. A. Gonçalves)! Até+
Por fim, a DC acabou trazendo Babs de volta ao papel de Batgirl [Batgirl #1 (2011), no evento Os Novos 52]. Sua espinha foi curada. Ofereceram o trabalho a Gail Simone, que aceitou; ela sabia que iriam restaurar Barbara, fosse ela a roteirista ou não. Simone podia manter, como de fato manteve, os eventos de A Piada Mortal e a identidade de Oráculo como parte do passado de Barbara; tudo não seria simplesmente esquecido. Deram a entender que outra pessoa se tornaria Oráculo, só que, no meu ponto de visto, isso não funciona. Não dá para colocar qualquer um nesse papel. Foi o fato de ter sido Batgirl, de ser filha de Jim Gordon, de ter uma história própria, de ter sofrido os eventos de A Piada Mortal — mesmo que terríveis — que contribuíram para ela ser quem é. Não acredito que ninguém além de Barbara possa ser Oráculo, se for para o personagem ter algum mínimo significado. Não sei como tudo isso se encaixa num longa-metragem de animação. Também não sei qual será a reação dos pais. Tem o Batman, tem o Coringa, é um desenho animado, ótimo para a garotada, não é? Só que certamente estará longe de ser um Frozen. Se mudarem o que acontece com Barbara, também não sei se continuará a ser A Piada Mortal. Se não for, por que perder tempo? Ah, tá. É que vai fazer dinheiro. (John Ostrander - “John Ostrander: Savaging Barbara Gordon”, ComicMix, 2 ago. 2015. Tradução de Martin F. A. Gonçalves)! Até+
PS: O "Submundo" agradece à mais esta colaboração especialíssima de Martin Fernando pro blog (após a tradução do texto sobre a morte de "Michael Fleisher" - Escritor de "Jonah Hex")... E concordo com a visão de que a "Oráculo" passou a ser uma personagem mais forte e representativa do que a própria "Batgirl"!
Créditos:) Leo Radd - http://submundo-hq.blogspot.com/2018/06/batgirl-desconstruindo-barbara-gordon.html
Créditos:) Leo Radd - http://submundo-hq.blogspot.com/2018/06/batgirl-desconstruindo-barbara-gordon.html
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