Ali estão eles, no cruzamento, como em todos os dias.
Roupinhas coloridas, até que ajeitadas, encostam no carro da frente, dizem alguma coisa, não tem resposta e já vão saindo.
Vêm em minha direção.
Caixinhas de mentex nas mãos, perguntam se eu não quero levar duas por um real. Dizem qualquer coisa sobre precisarem levar dinheiro pra casa, mas estou sem trocado e com pressa.
Além disso, as autoridades não dizem que não devemos dar esmolas?
Com o canto dos olhos verifico se as portas estão travadas, aceno com os dedos uma negativa e acelero, que o sinal abriu. Eles voltam para a calçada e ficam esperando a nova leva de carros que, daqui a pouco, vai ser parada pelo sinal, de novo.
Olho pelo retrovisor e vejo que eles brincam entre si, rolam na grama rala do jardinzinho que ainda sobrou ao lado do cruzamento, riem e mostram, naquele momento, um lado alegre, infantil, inocente, que esperamos em todas as crianças.
A menininha de cabelos claros, encaracolados, não deve ter mais do que seis anos. É a maiorzinha.
O menino, moreninho, ainda com jeito de quem esconde uma chupeta no bolso, acompanha o vôo de um pássaro com os olhos embevecidos. Deve estar com inveja da ave.
Estou mais distante mas vejo que eles já se preparam para assediar nova onda de automóveis que vai parando no sinal fechado.
Não é bom ver essas crianças indefesas, longe dos pais, longe da escola, longe do carinho da família. E tão perto da fome, dos perigos da rua, das ameaças...
Mas o que eu posso fazer?
Não sou dono da rua, não sou do governo, não sou Deus...
Tenho mais é que cuidar do que me é mais próximo, do que eu posso alcançar com meus recursos.
Tenho é que me preocupar com a minha família, meu casalzinho de filhos, com a minha casa, cercada de altos muros, com a manutenção do meu emprego...
Enfim, com o que é de minha conta.
E além disso, hoje é um dia especial dentre as coisas da minha conta: consegui comprar a boneca que minha filha pediu e o trenzinho que o meu caçulinha desenhou no pedido ao Papai Noel.
Vou pôr os embrulhos com os presentes debaixo de nossa arvorezinha de Natal e aguardar que eles não abram antes do tempo.
Vou ter que falar grosso para que eles obedeçam.
Essas crianças...
Mas entro na casa e sinto-a vazia. Cadê a árvore?
Chego aos quartos e não há ninguém nas caminhas. Aliás, nem caminhas.
Na cozinha, nem minha mulher nem o que comer.
Acendo as luzes, todas, da pequena casa, e a claridade mostra todas as partes da solidão. Ninguém... Nada... Só lembranças.
Sento-me numa das poucas cadeiras e lembro, a contra-gosto, que todos se foram. Todos, quando os meses se amontoaram numa sucessão de desesperanças e frustrações. O salário não dava, o amor andava escasso, os conflitos afloravam... e então minha mulher e os filhos resolveram me dar um tempo para pensar. Enquanto se refugiavam numa pequena cidade do interior, junto a parentes próximos, avós carinhosos e mais próximos da natureza.
O pedido pela boneca, agora me lembro, foi do ano passado. Mas eu não tive tempo de atender. E o bilhete desenhado pelo caçula já está todo amarrotado, de tanto virar no meu bolso durante este ano todo que passou. Sem que fosse atendido.
Agora ele já deve estar sabendo escrever alguma coisa. Não pediria o trenzinho só com um desenho.
Devem estar brincando num quintal lá da cidadezinha, igualzinho ao casalzinho de crianças que acabei de ver no cruzamento.
Aliás... a menina é a cara da minha filha. E o menino lembra o meu caçula.
Até no jeito de andar e brincar...
Volto correndo, voando, à esquina onde vi as crianças.
Não estão mais lá. Para meu desespero e saudade.
Continuo com o carro em movimento, em velocidade, em direção à cidadezinha do interior onde vou tentar reencontrar o passado, a felicidade, a família, meu futuro.
Roupinhas coloridas, até que ajeitadas, encostam no carro da frente, dizem alguma coisa, não tem resposta e já vão saindo.
Vêm em minha direção.
Caixinhas de mentex nas mãos, perguntam se eu não quero levar duas por um real. Dizem qualquer coisa sobre precisarem levar dinheiro pra casa, mas estou sem trocado e com pressa.
Além disso, as autoridades não dizem que não devemos dar esmolas?
Com o canto dos olhos verifico se as portas estão travadas, aceno com os dedos uma negativa e acelero, que o sinal abriu. Eles voltam para a calçada e ficam esperando a nova leva de carros que, daqui a pouco, vai ser parada pelo sinal, de novo.
Olho pelo retrovisor e vejo que eles brincam entre si, rolam na grama rala do jardinzinho que ainda sobrou ao lado do cruzamento, riem e mostram, naquele momento, um lado alegre, infantil, inocente, que esperamos em todas as crianças.
A menininha de cabelos claros, encaracolados, não deve ter mais do que seis anos. É a maiorzinha.
O menino, moreninho, ainda com jeito de quem esconde uma chupeta no bolso, acompanha o vôo de um pássaro com os olhos embevecidos. Deve estar com inveja da ave.
Estou mais distante mas vejo que eles já se preparam para assediar nova onda de automóveis que vai parando no sinal fechado.
Não é bom ver essas crianças indefesas, longe dos pais, longe da escola, longe do carinho da família. E tão perto da fome, dos perigos da rua, das ameaças...
Mas o que eu posso fazer?
Não sou dono da rua, não sou do governo, não sou Deus...
Tenho mais é que cuidar do que me é mais próximo, do que eu posso alcançar com meus recursos.
Tenho é que me preocupar com a minha família, meu casalzinho de filhos, com a minha casa, cercada de altos muros, com a manutenção do meu emprego...
Enfim, com o que é de minha conta.
E além disso, hoje é um dia especial dentre as coisas da minha conta: consegui comprar a boneca que minha filha pediu e o trenzinho que o meu caçulinha desenhou no pedido ao Papai Noel.
Vou pôr os embrulhos com os presentes debaixo de nossa arvorezinha de Natal e aguardar que eles não abram antes do tempo.
Vou ter que falar grosso para que eles obedeçam.
Essas crianças...
Mas entro na casa e sinto-a vazia. Cadê a árvore?
Chego aos quartos e não há ninguém nas caminhas. Aliás, nem caminhas.
Na cozinha, nem minha mulher nem o que comer.
Acendo as luzes, todas, da pequena casa, e a claridade mostra todas as partes da solidão. Ninguém... Nada... Só lembranças.
Sento-me numa das poucas cadeiras e lembro, a contra-gosto, que todos se foram. Todos, quando os meses se amontoaram numa sucessão de desesperanças e frustrações. O salário não dava, o amor andava escasso, os conflitos afloravam... e então minha mulher e os filhos resolveram me dar um tempo para pensar. Enquanto se refugiavam numa pequena cidade do interior, junto a parentes próximos, avós carinhosos e mais próximos da natureza.
O pedido pela boneca, agora me lembro, foi do ano passado. Mas eu não tive tempo de atender. E o bilhete desenhado pelo caçula já está todo amarrotado, de tanto virar no meu bolso durante este ano todo que passou. Sem que fosse atendido.
Agora ele já deve estar sabendo escrever alguma coisa. Não pediria o trenzinho só com um desenho.
Devem estar brincando num quintal lá da cidadezinha, igualzinho ao casalzinho de crianças que acabei de ver no cruzamento.
Aliás... a menina é a cara da minha filha. E o menino lembra o meu caçula.
Até no jeito de andar e brincar...
Volto correndo, voando, à esquina onde vi as crianças.
Não estão mais lá. Para meu desespero e saudade.
Continuo com o carro em movimento, em velocidade, em direção à cidadezinha do interior onde vou tentar reencontrar o passado, a felicidade, a família, meu futuro.
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